O documentário Incompatível com a vida, que foi qualificado para o Oscar e é hoje multi premiado, começou com a pior notícia que eu poderia receber: Meu filho desejado não sobreviveria fora de minha barriga.
- Eliza Capai
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Saber que uma gestação não vai resultar em uma vida após o nascimento pode ser profundamente doloroso. Na intenção de ajudar pessoas que estão atravessando este momento, reunimos aqui informações claras sobre as opções disponíveis, para que você possa avaliar qual caminho prefere seguir. Esta é uma decisão pessoal, que deve ser feita pela pessoa gestante. Você pode optar por manter ou interromper a gestação, após receber uma autorização na justiça. Os serviços de saúde devem respeitar sua liberdade, dignidade e autonomia para decidir.
Caso opte por manter a gestação, você pode solicitar o encaminhamento a um serviço de referência para gestação de alto risco, pois a gravidez de feto incompatível com a vida pode aumentar os riscos para a saúde da pessoa gestante. Neste caso, é importante se informar e conversar com sua equipe médica, inclusive sobre a possibilidade de cuidados paliativos após o nascimento.
Infelizmente, a chance de o feto morrer ainda dentro do útero é grande. Se optar por interromper a gravidez de forma legal, você deve seguir o passo a passo abaixo para obter uma autorização judicial e acessar esse atendimento médico, que pode ser feito pelo SUS. O pedido judicial pode ser feito por advogada(o) ou, em caso de falta de condições financeiras, por meio da Defensoria Pública, que presta assistência jurídica gratuita à população em situação de vulnerabilidade.
Caso queira receber acolhimento de profissionais, conte com o Instituto do Luto Parental (IPL), que oferece plantão psicológico gratuito e promove rodas de apoio. Para receber este apoio gratuito ou a valores sociais, preencha o formulário no site do IPL.
Atenção: Em casos de anencefalia/acrania, de gestação decorrente de violência sexual e de gestação que tem risco de vida para a pessoa gestante, não é necessária autorização judicial, pois o aborto legal já está garantido por lei.
Se a pessoa gestante solicitar a interrupção legal, esta deve ser realizada o mais rápido possível pelos serviços de saúde, sob pena de responsabilização administrativa, civil e criminal de profissionais e instituições responsáveis.
A interrupção legal da gestação é garantida pelo Código Penal brasileiro quando: a gravidez acarreta risco para a vida da pessoa gestante, ou se é fruto de violência sexual. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito ao aborto terapêutico também em caso de feto anencéfalo, pela ADPF 54/2004. Dentro destes três permissivos legais, a pessoa tem o direito de escolher qual caminho seguir e deve receber da equipe de saúde todas as informações para tomar sua decisão de forma livre e esclarecida. Pessoas gestantes de fetos incompatíveis com a vida também podem ter direito à interrupção legal, usando a premissa do direito ao aborto em caso de anencefalia, já que não há chance de vida fora do útero e, em muitos desses casos, o risco de vida de quem gesta é severamente agravado.
É importante considerar que não há limite de tempo gestacional para a interrupção legal no Brasil. O Ministério da Saúde prevê métodos seguros para a interrupção em qualquer etapa, tanto nos casos de anencefalia, quanto nos demais casos de incompatibilidade com a vida. O aborto induzido pode ocorrer também no segundo trimestre de gravidez ou adiante, inclusive porque o diagnóstico pode vir a ser confirmado apenas nessa fase.
No Brasil, a interrupção legal da gestação é permitida nos casos de violência sexual, risco para a vida da pessoa gestante e anencefalia do feto. Em nenhum dos três permissivos há limite de tempo gestacional, necessidade de boletim de ocorrência, autorização judicial ou qualquer outra limitação para a realização do aborto. Em caso de gravidez incompatível com a vida com diagnóstico diverso da anencefalia, a pessoa gestante pode optar por buscar judicialmente um alvará para interrupção legal, pois, assim como na gestação de feto anencéfalo, não há chance de sobrevida fora do útero. Entenda melhor cada um dos permissivos legais:
O Código Penal, a legislação federal e normas técnicas do Ministério da Saúde preveem que a vítima que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência tem direito à interrupção legal da gestação. Pela lei, em caso de violência sexual, não é exigido Boletim de Ocorrência ou qualquer outro documento para acessar o direito à interrupção legal da gravidez, a não ser um termo de consentimento da vítima, que possui presunção de veracidade. A equipe médica não deve questionar a decisão da pessoa gestante em caso de escolha pela interrupção, nem a submeter a exames desnecessários, como escuta do batimento cardíaco.
A equipe médica deve orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não pode negar a ela o direito à interrupção, ou comunicar o caso às autoridades sem sua autorização expressa. Não se pode confundir a notificação compulsória ao sistema de saúde e de justiça (anônima e obrigatória) com a comunicação do crime acompanhada da identificação da vítima (condicionada ao consentimento).
Por se tratar de um tema tabu, muitas pessoas sequer entendem que sua gravidez foi fruto de uma violência sexual. Em alguns casos, devido ao choque traumático, ou a situações crônicas de violência, a vítima pode se encontrar confusa até para informar a data exata da violência. Cabe à equipe médica avaliar o tempo gestacional através da data da última menstruação e do exame ultrassonográfico e, se for da vontade da vítima, realizar a interrupção legal com a maior agilidade possível.
O procedimento deve ser realizado em local onde seja resguardada a privacidade da vítima – que pode ser inclusive a sua residência ou outro local de preferência, caso seja possível o aborto por telessaúde com uso de medicamentos. Caso seja realizado na unidade de saúde, os mesmos cuidados de privacidade e acolhimento devem ser seguidos. A vítima tem o direito de ser acompanhada de uma pessoa de sua escolha. A equipe de saúde não deve temer possíveis consequências jurídicas, pois caso se revele posteriormente que a gravidez não foi resultado de violência sexual, somente a pessoa responsável pela declaração inverídica responderá criminalmente.
Na primeira consulta de pré-natal, a equipe médica deve verificar se a pessoa gestante tem alguma doença crônica que pode piorar durante a gravidez e justificar a interrupção legal, tais como (mas não apenas):
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF nº 54, declarou ser constitucional a interrupção da gravidez nos casos de gestação de feto anencéfalo. A Resolução CFM nº 1.989/12 determina que o médico deve prestar à pessoa gestante todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados, garantindo a ela o direito de decidir livremente sobre o caminho a ser escolhido, sem impor sua autoridade para induzi-la a tomar qualquer decisão.
Em situação análoga à de anencefalia, diante de qualquer malformação fetal que impossibilite a vida fora do útero, é possível conseguir autorização judicial para a interrupção da gravidez. A maior parte dos casos são descobertos após a 20ª semana de gestação, ao realizar o ultrassom morfológico. Veja aqui o passo a passo para solicitar a interrupção legal da gestação, se assim desejar.
Já existem precedentes judiciais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de Tribunais de Justiça equiparando outras malformações incompatíveis com a vida à anencefalia, como a Síndrome de Body Stalk e a Síndrome de Edwards.