O documentário Incompatível com a vida, que foi qualificado para o Oscar e é hoje multi premiado, começou com a pior notícia que eu poderia receber: Meu filho desejado não sobreviveria fora de minha barriga.
- Eliza Capai
O documentário Incompatível com a vida, que foi qualificado para o Oscar e é hoje multi premiado, começou com a pior notícia que eu poderia receber: Meu filho desejado não sobreviveria fora de minha barriga.
- Eliza Capai
O filme Incompatível com a vida foi qualificado para o Oscar e é hoje multi premiado, mas ele começou com a pior notícia que eu poderia receber: Meu filho desejado não sobreviveria fora de minha barriga.
Eu morava em Portugal, país do pai de meu filho, e em menos de uma semana os médicos já haviam fechado o diagnóstico e me aconselhado a interromper a gravidez.
Fiquei duas semanas com a barriga crescendo e o sentimento invertido, de que gestava uma morte. Me senti triste e solitária como jamais havia me sentido. Realizei a interrupção de gravidez em uma maternidade pública de Lisboa e o procedimento foi simples, como costumam ser os abortos legais. Por condições prévias, entretanto – um mioma uterino de 15 cm – eu voltei para o Pronto Socorro e fui internada. Naquela semana que passei com números de septicemia aguardando o momento de retirar a placenta retida atrás do mioma, refleti: E se eu estivesse no Brasil e houvesse feito um aborto clandestino? Teria chegado no hospital e contado do aborto, ou por medo de ir presa, teria inventado outra causa para aquela febre alta? Ali, entendi por que a cada dois dias uma mulher morre em meu país em decorrência de abortos clandestinos. Senti uma raiva profunda de imaginar quantas de nós perdemos nossas vidas, úteros, e dignidade por conta de leis perversas.
Esta história não está no filme. Mas conto aqui porque foi este sentimento de raiva que me fez terminar o documentário, e que me guiou para fazermos este site com instruções de como judicializar o aborto em caso de incompatibilidade com a vida – informações que em geral não chegam às pessoas que recebem o diagnóstico.
O filme parte da minha história e encontra a de outras seis mulheres e casais. Cada uma fez a melhor decisão que poderia: algumas interromperam a gravidez, como eu, outras levaram até o fim, mas todas passamos por processos de luto. O filme é uma busca por tirar a solidão dos nossos quartos e escancarar a tristeza que engole quem passa pela perda gestacional e neonatal. Para que cada pessoa que passe por esta dor saiba que não é a única, nem está enlouquecendo, que dói mesmo, e que é importante encarar o abismo e nos cuidarmos. Este filme é a nossa carta de amor aos nossos filhos, e à vida que segue.
As sessões nas quais estive presente com o filme foram de grande catarse, e de profundos debates. Acreditamos que o cinema pode ser uma potente ferramenta para gerar empatia e criar debates mais qualificados sobre temas tabu, como é o caso do aborto e do luto neonatal e gestacional. Por isto, encorajamos a realização de sessões seguidas por debate para famílias e amigos enlutados, bem como entre profissionais envolvidos diretamente com o atendimento de pessoas que necessitam de empatia para lidar com o luto e/ou acessar o aborto legal, como os profissionais da Medicina, Enfermagem, Assistência Social, Psicologia e Advocacia.
O filme pode ser visto online na plataforma Mubi. Ele também está disponível de forma gratuita para quem quiser organizar sessões seguidas de debate. Basta solicitar uma cópia digital do filme aqui ou escrever para mobiliza@taturana.org com o assunto “Incompatível com a vida”.
A partir do registro de sua gravidez frustrada, a diretora Eliza Capai conversa com outras mulheres que tiveram vivências parecidas à sua, criando um potente e tocante coral de vozes que refletem sobre temas universais: vida, morte, luto e políticas públicas que nos afetam.
Direção: Eliza Capai
Roteiro: Eliza Capai
Produção: Mariana Genescá, Amana Cine
Montagem: Daniel Grinspum
Direção de Fotografia: Janice D’avila, Eliza Capai, João Pina
Trilha Sonora: Decio7 com participação especial de Juçara Marçal
Gênero: documentário
País: Brasil
Ano: 2023
Duração: 92 minutos
Fomento: FSA – BRDE/Ancine; Canal Curta!
Distribuição Nacional: Descoloniza Filmes
Distribuição internacional: Utopia Docs
Campanha de Impacto: Taturana
Qualificado para Oscar de melhor documentário (2024)
Indicado para representar o Brasil nos Premios Platino (2024)
Melhor Documentário de 2023 – APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)
10 Melhores longas de 2023 – ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema)
Festival É Tudo Verdade (2023) – Melhor Filme e melhor montagem (edt.)
FICVINA (Festival Internacional de Viña del Mar, 2023) – Melhor direção
Festival de Vitória (2023) – Melhor Contribuição Artística
Festival do Rio, 2023
Hollywood Brazilian Film Festival, 2023
A Amana Cine (antiga tva2.doc) é uma produtora brasileira focada em projetos documentais com temáticas sociais. Seu objetivo é trabalhar com narrativas originais que abordem temas sensíveis, apostando no audiovisual como potente ferramenta de reflexão e inclusão social.
Assista à matéria do The New York Times: Dear Supreme Court of Brazil, Use Your Power to Protect Women.
Documentarista de temas relacionados a gênero e sociedade, Eliza assina a direção de séries, longas e curtas, com destaque para a primeira série brasileira true crime original Netflix, “Elize Matsunaga: Era uma vez um crime” (2021), e o longa, “Espero tua (re)volta”, que estreou na Berlinale (2019), com os prêmios da Anistia Internacional e da Paz, além de outros 25 prêmios em +100 festivais.